28 de novembro de 2010

Advento

Dá-nos Senhor, neste Advento, a coragem dos recomeços.
Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi:
dá-nos largueza de coração para abraçar aquilo que é.
Afasta-nos do repetido, do juízo mecânico que banaliza a história,
pois a priva de surpresa e de esperança.
Torna-nos atónitos como os seres que florescem.
Torna-nos inacabados como quem deseja.
Torna-nos atentos como quem cuida.
Torna-nos confiantes como os que se atrevem
a olhar tudo, e a si mesmo, de novo
pela primeira vez.


(José Tolentino Mendonça)


Num 1º domingo de Advento em que, para mim, a espera do menino Jesus se torna a espera do anjo Gabriel, aquele que anuncia um tempo totalmente novo, e que cresce, cresce, no mais profundo segredo de mim e a qualquer momento me pode bater à porta.

24 de novembro de 2010

Do amor, da fé, da vida e da morte, do bem e do mal



Em 1996, sete monges da Ordem Cisterciense da Estrita Observância são raptados e assassinados em Tibhirine, aldeia aninhada na região argelina do Magrebe. É o culminar da escalada de violência que opõe o Grupo Islâmico Armado (GIA), extremista, ao governo que acusa de corrupto. O impacto deste horrível desaparecimento, cujos contornos exactos estão ainda por esclarecer, estende-se até aos nossos dias, levado agora ao cinema sob direcção do realizador francês Xavier Beauvois.

A obra, reconhecida com o Grande Prémio do Festival de Cannes e merecedora da forte e comovida chuva de aplausos que encheram o Palais des Festivals na noite do passado 23 de Maio, é uma extraordinária ode à fé, ao amor ao próximo e ao espírito de serviço que cumpre, em estilo e estrutura narrativa, o despojamento do seu sujeito.

Com efeito, é-nos dado comungar a forma abnegada como uma comunidade de homens lida com uma realidade adversa para a qual não contribui senão com a sua vocação de amor e dádiva. Uma vocação reafirmada ao arrepio das pressões externas para abandonarem a aldeia que servem à sua sorte.

Sem ceder a tentações sensacionalistas, Beauvois desvenda aos nossos olhos o dia-a-dia daquele pequeno mosteiro de Tibhirine, dos seus oito habitantes e da pacata população da aldeia local, induzindo progressivamente o adensar do contexto violento que involuntariamente envolve uns e outros.

Simples e acessível, a linguagem fílmica pretere o horror dos acontecimentos, trágicos, e da crescente violência, ao espírito com que aquela irmandade os enfrenta. Um espírito sustentado na sua extraordinária força e revitalizado na dúvida e fraqueza pela oração, pelo permanente desejo de união e comunhão, pelo tempo e oportunidade concedidos ao discernimento.

Mais que um nefasto episódio da história política ou religiosa, estamos perante uma obra que nos propõe um caminho, pela busca do verdadeiro sentido da vida: o que os sete monges sacrificados, na sua fé cristã, encontraram, e que Xavier Beauvois tão bem percorre, alumiando-o para crentes e não crentes.

Margarida Ataíde em Agência Ecclesia.

No Câmara Clara

Se estiverem interessados na minha "conversa" com o Marçal Grilo sobre a importância das Humanidades, aqui está o link: http://camaraclara.rtp.pt/#/arquivo/193 .

19 de novembro de 2010

Para apurarmos a consciência da realidade

Dos criadores do filme genial "The story of stuff", aqui vem uma nova produção:





(The story of stuff project - onde encontramos os vídeos "The story of stuff", "The story of bottled water", "The story of Cosmetics"... etc)

Para recuperarmos da depressão

Entrevistas no IMagazine, a pessoas inspiradoras que estão a mudar o mundo para melhor: aqui.

Para nos deprimirmos um bocadinho mais

Num país que se revelou uma jangada afundada com presunções de Titanic, eis o novo documentário que nos vai mostrar a nu a mentalidade de que também padecemos.


(nos cinemas)

14 de novembro de 2010

Câmara Clara - daqui a uma semana

Amigos,

no próximo domingo, dia 21 de Novembro, estarei com o professor Marçal Grilo no Câmara Clara (RTP2 às 22h30) a falar da "importância das humanidades".
É daqueles programas que me faz ter pena de não ter televisão: é mesmo bom. Espreitem aqui e "apareçam" por lá daqui a uma semana.

8 de novembro de 2010

Aminetu Haidar em Portugal

Reitoria da Universidade de Lisboa
4.ª Feira, dia 10 de Novembro, pelas 18h30


14 de Novembro de 2009. Aminetu Haidar é expulsa do seu país ocupado (o Sahara Ocidental) pelas autoridades marroquinas quando regressava a El Aiun, depois de ter recebido em Nova Iorque o Prémio Robert F. Kennedy; distinção atribuída anualmente pela prestigiada fundação a defensores dos direitos humanos que se tenham distinguido pela sua coragem, pondo em risco as suas próprias vidas. Sobre Haidar pendia a acusação: ter escrito SAHARAUI no espaço reservado à nacionalidade do impresso de fronteira.

Após 32 dias de greve de fome, na inóspita aerogare de Lanzarote, Canárias, Aminetu fez vergar a prepotência da potência ocupante e congregou a simpatia e a solidariedade à resistência do seu Povo em todo o mundo.

Nos momentos mais dramáticos da longa greve de fome, José Saramago — preocupado com o débil estado de saúde de Aminetu —, escrevia à consciência mundial: “Aminetu não tem um problema. Um problema tem seguramente Marrocos. E pode resolvê-lo… terá que resolvê-lo. Não se trata apenas de um problema de uma mulher corajosa e frágil, mas sim o de todo um povo que não se rende já que não entende nem a irracionalidade nem a voracidade expansionista, que caracterizavam outros tempos e outros graus de civilização…”

Aminetu Haidar está agora em Portugal para agradecer a todos aqueles que, há um ano atrás,
se solidarizaram com a sua luta.
Vamos recebê-la carinhosamente, associando-nos à iniciativa da Reitoria da Universidade de Lisboa.


ENTRADA LIVRE - DIVULGUEM A INICIATIVA DA REITORIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

5 de novembro de 2010

Muito bom: o elogio da crise

«Nós, os filhos do pós-revolução, crescemos com televisões a cores, jogos de computador, os videoclips da MTV a açucarar-nos a vida. Nunca estamos sozinhos - os telemóveis, os sms, o messenger, o facebook. Recebemos o conforto que faltou aos nossos pais. Trabalhamos num escritório com ar condicionado e wi-fi, numa rua com dezenas de multibancos. (...) Habituámo-nos a ver personagens como Valentim Loureiro ou Alberto João Jardim como figuras cómicas em vez de como desastres para a nação. Cruzámos os braços. Não fomos votar no referendo do aborto. Comprámos, por fim, a casa. Crescemos entre a abundância parola dos centros comerciais e o medo do risco. O medo: esse legado de uma ditadura tão insuficiente como pacóvia, que se agarra a nós como um polvo no cio. Portugal: o país de rabo entre as pernas, pobre, mas que se comporta como novo-rico.

Deixámos de acreditar que o mérito abre caminho, passámos a vida a empurrar elefantes na areia para chegar a algum lado, vimos como pagar por baixo da mesa compensa enquanto sucateiros, autarcas, empreiteiros, banqueiros, ex-ministros e caciques rasgavam o país com prédios encavalitados e envelopes sujos de dinheiro.

Dizemos que, mais de um século após terem sido escritas, as análises de Eça de Queirós ainda nos descrevem. Dizemos, sim, dizemos. E que fazemos? Ouvimos Saramago explicar porque escreveu "O Ano da Morte de Ricardo Reis". Contou ele que pegou numa frase do heterónimo de Pessoa - "Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo" - e quis perguntar ao autor se em Portugal, naquela década de 30, numa Lisboa fraca nas ambições, cinzenta nas caras e asfixiada no cérebro, bastava estar contente diante do espectáculo do mundo, sem fazer nada. Eu pergunto: e hoje, basta? Em todo este tempo, do D'Artacão à Luciana Abreu, do Pinheiro de Azevedo ao José Sócrates, do telefone de disco ao telemóvel com GPS, parece-me que alguma coisa se nos escapou, que alguma oportunidade se perdeu, que deixámos que nos enganassem, que pedimos para sair do barco e fomos para casa, muito mais confortável.

Com a crise nasce a oportunidade - de meter um fundo a este fundo. Chega de justificar qualquer falha com "isto é Portugal, pá". Seja o café que vem frio, seja o dinheiro que desapareceu do banco ou a impunidade sem vergonha, não queremos ouvir mais a desculpa "isto é Portugal, pá". Não serve.

Vocês deram-nos a liberdade, o ensino superior democratizado, o serviço nacional de saúde, os empréstimos à habitação. Nós agradecemos. Obrigado. Temos agora o mínimo necessário para dar o passo seguinte e não temos medo de assumir as nossas insuficiências. Não temos complexos de inferioridade. Sabemos que há muito a fazer. Mas queremos mais que um carro desportivo e o maior centro comercial da Europa e telejornais de hora e meia. Também já não somos fatalistas, nem desgraçados, nem nos resignamos diante da tristeza como se fosse uma marca genética. Isso, acreditem, já não nos diz nada.

Em breve, caso a depressão económica nos arrase, deixaremos de ter subsídios de férias e segurança social e ar que se respire. Em breve seremos mais frugais, mais sensatos, obrigatoriamente mais activos. Precisamos muito desta crise.»



Por Hugo Gonçalves, aqui, no i.