6 de novembro de 2006

O Decrescimento Feliz

“Bom dia”, disse o principezinho.
“Bom dia”, disse o comerciante.
Era um comerciante de pílulas aperfeiçoadas para acalmar a sede.
Engolindo uma por semana, já não se tem necessidade de beber.
“Por que vendes tu isso?”, perguntou o principezinho.
“ É uma grande economia de tempo. Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana.”
“E o que se faz desses cinquenta e três minutos?”
“Faz-se o que se quer…”
“Eu – disse o principezinho para consigo -,
se tivesse cinquenta e três minutos para gastar,
o que fazia era dirigir-me devagarinho para uma fonte…”


(...)
O facto é que o crescimento entranhou-se na economia, como a alma no nosso pobre corpo mortal e já não é possível separá-los. Aos estudantes de economia ensinam (…) que as contas só batem certo se tiverem um “mais” (+) à frente. E não vale a pena tentar convencê-los de que a produção não pode crescer infinitamente porque os recursos do planeta não são infinitos (...). Uma economia que não cresce é considerada como um peixe que não nada. Uma contradição nos termos.

Mas em que é que consiste este crescimento? É o crescimento dos bens e dos serviços de que os seres humanos necessitam para viver cada vez melhor? Se vais daqui até ali de automóvel e não encontras trânsito na estrada consomes uma certa quantidade de combustível. Se ficares preso numa fila quilométrica, consomes muito mais. Portanto, fazes crescer muito mais o produto interno bruto. Portanto, estás melhor. E então porque é que te zangas? Pensa que me farás estar melhor também a mim, e nem me conheces, tal como 57 milhões e tal de italianos (10 milhões de portugueses). Ao pensar na tua generosidade até me comovo, enquanto sofro como um louco e, admito-o com vergonha porque sou mesmo um ingrato, faço-te sofrer também a ti, que não conheço, tal como 57 milhões e tal de italianos (10 milhões de portugueses), ao longo desde caminho de terra na montanha onde não faço crescer o produto interno bruto porque não consumo nada – a não ser um bocado da sola das minhas botas. Mas comprei-as há 10 anos e ainda estão boas. Claro que ao longo destes 10 anos fizeram-se novos modelos de botas, mudaram-lhes as cores, passaram as tiras de velcro um bocadinho mais para cima, depois um bocadinho mais para baixo, depois um bocadinho mais para o lado, depois fizeram-nas mais apertadas, depois mais largas, mas este ano, vi-as ontem na montra, estão novamente iguais às fitas das minhas botas. E meteram-nas no mesmo sítio. Até a cor é igual. Parece que acabei de as comprar.

Estou quase a chegar ao cimo da serra. Vou andando devagar, com passadas regulares. Para não me lamentar da minha desgraça e não me sentir demasiado em culpa para contigo, não te vou dizer nada acerca da paisagem e do ar que respiro. Tanto a paisagem como o ar são de graça, e nem ao olhar nem ao cheirar eu consumo alguma coisa. Nem posso imaginar o quanto tu estarás contente ao consumir gasolina, travões, embraiagem e pneus, metido no meio das chapas de aço e do escape dos carros! E como me estás a fazer feliz a mim! Só te falta acender um cigarro e beber um golo de coca-cola para atingir – e me fazeres atingir – um nível de felicidade ainda maior. Eu, pelo contrário, estou só a encher o meu cantil com a água de uma fonte. (...)
in Maurizio Pallante, La Decrescita Felice
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(leitura integral do excerto: aproveitem e leiam mesmo, porque o texto é genial!)

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