Saibamos tirar proveito das crises. (…)
Ao longo da minha vida, cheguei à conclusão de que as catástrofes existem para nos evitar o pior. E o pior (…) é ter tido a infelicidade de ter atravessado a vida sem naufrágios, é ter ficado à superfície das coisas, ter patinado no pântano do diz que diz, das aparências, e nunca ter sido precipitado numa outra dimensão. As crises, na sociedade em que vivemos, são realmente o que ela tem de melhor – mesmo correndo o risco de nos projectarem, sem estarmos preparados para isso – para entrarmos na outra dimensão. Na nossa sociedade, toda a ambição, toda a concentração está em desviar a nossa atenção de tudo aquilo que é importante, criando-se um sistema de arame farpado, de proibições para não podermos ter acesso à nossa profundidade.
Trata-se de uma imensa conspiração, da mais gigantesca conspiração de uma civilização contra a alma, contra o espírito. Numa sociedade onde tudo está fechado, onde os caminhos para entrar na profundidade não são indicados, existe apenas a crise para podermos quebrar os muros à nossa volta. A crise serve de certo modo como arma para arrombar as portas dessas fortalezas onde nos mantemos encarcerados, com todo o arsenal da nossa personalidade, tudo aquilo que pensamos ser.
Recentemente, numa auto-estrada periférica de Berlim, onde existem sempre engarrafamentos terríveis, um Tager* genial inscreveu numa ponte a seguinte fórmula (...): “desengana-te, não estás num engarrafamento, o engarrafamento és tu!”
(…) Como funciona a crise? Poderíamos utilizar a palavra retorno, mudança. O que é que se passa na crise? Passa-se mais ou menos isto, uma voz dirige-se a si e diz-lhe: “Construíste uma vida, sim, muito bem, então, agora, destrói-a; construíste uma personalidade, fantástico, muito bem, destrói-a; lutaste muito, foste corajoso, de uma coragem extraordinária, mas a hora da rendição chegou, ajoelha-te!”
Christiane Singer, O lado positivo das crises (recolha de textos de conferências).
*Tager - do inglês, tager é aquele que escreve tags - frases/mensagens nas paredes.
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