5 de junho de 2010

Problemas de consciência


Ao princípio, lendo só o título, irritou-me como sendo uma estória de traição aos próprios princípios, mais um episódio dos habituais jogos de poder e de influências. A política que obriga a compromissos que a pervertem.
Mas ao ler o breve artigo (que é só uma antecipação da entrevista que sai amanhã na Pública), em que são citadas as palavras de Assunção Cristas, a dita deputada, fiquei a achar que esta afinal é uma estória que tem muito mais a ver comigo do que poderia parecer.


1. Trata-se de uma deputada que foi "recrutada" pelo Paulo Portas devido à sua acérrima argumentação contra o aborto.
(como a minha)

2. A respeito de ser contra o aborto e a favor do casamento gay, diz que são duas posições compatíveis dentro de si, embora aos olhos do mundo pareça que vêm ambas no mesmo pacote: «Eu seria favorável a um casamento [entre pessoas do mesmo sexo]. O que pode parecer uma posição estranha da minha parte. Muita gente me aborda achando que sou contra; mas não sou.»

(Como me acontece a mim, que sou constantemente assediada pelos movimentos em defesa da família e o caraças, desde que participei em certos eventos contra o aborto.)

3. A propósito da necessidade de votar na assembleia no contexto de um partido com disciplina de voto, eis como justifica a sua decisão, que passou por uma declaração de voto em que explicitava a sua opinião: «Curiosamente, desagradei a toda a gente. Os que concordavam comigo reclamaram, mesmo com a declaração de voto, por acharem que isso não servia de nada. E reclamaram comigo os que achavam que eu devia ser radicalmente contra e, no final, tinha feito uma declaração de voto; então, que tivesse sido contra! Fiz o que podia fazer, de acordo com a minha consciência. Dou muito valor ao contrato com o eleitorado. É mau dizer-se uma coisa e fazer-se outra. Todos cedemos um bocadinho para que fique espelhada a sensibilidade maioritária.»

(no lugar dela, acho que eu teria feito o mesmo e me teria encontrado exactamente na mesma situação de incompreensão por parte de toda a gente)

4. E eis como explica a sua posição relativamente ao casamento de pessoas do mesmo sexo: «Tenho amigos próximos que me fazem ver as coisas de outra maneira. Fazem-me perceber que são pessoas iguais a nós, com tanto desejo e expectativa de ter uma vida feliz como nós. O que digo aos meus amigos que não entendem esta minha posição é que há um caminho de felicidade que não pode ser fechado, sobretudo quando os valores dessas pessoas não comprimem os nossos. Não acho que isto seja um ataque à família ‘tradicional’.” »

(tal como eu.)

Enfim, até podíamos ser amigas.

Só que eu nunca poderia ser do PP e nunca aceitaria uma situação em que o meu voto traísse as minhas convicções mais profundas, por mais democrática que eu seja. Por isso, adeus Assunção Cristas, respeito-te e acho que és uma pessoa séria e que faz bem o seu trabalho. Mas ainda bem que não é o meu.

1 comentário:

  1. :)
    Por acaso conheço a Assunção.. ou conheci... (há metade da minha vida... já não a vejo há uns anos) - obrigado por me trazeres ideias recentes dela. Acho que também poderia ser vosso amigo :) E acho que partilho a ideia de que não poderia colocar-me na situação dela... teria realmente de encontrar um fim último brutalmente importante que justificasse "entrar no jogo"...

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