18 de março de 2009

Amadeu

Hoje morreu um homem que, em plena derrota na luta contra o cancro, com o corpo apodrecido por dentro e já quase sem forças até para se aguentar de pé, dizia, sorrindo, quando lhe perguntavam como estava:
Estou como Deus quer! E por isso, não podia estar melhor!
Um homem que, perante uma plateia de amigos e amigas que há já muitos meses rezavam por ele, pouco antes de admitir que os tratamentos de quimioterapia e radioterapia não andavam a surtir efeito, disse:
Quero antes de mais agradecer as vossas orações, que têm tido um resultado extraordinário.... É que ando tããão bem-disposto, tão contente!.....
E que depois nos contou a experiência de estar uns tempos internado num hospital público de Lisboa e de agradecer diariamente a Deus por essa "graça", pois pôde comprovar o heroismo dos médicos e enfermeiras que, em número manifestamente insuficiente para a quantidade de pacientes, têm de se desdobrar, sem conseguir dar conta do recado. E acrescentava então a enorme alegria que teve de poder viver pessoalmente esta experiência, partilhar com as outras pessoas a dor e a frustração perante os cuidados sub-humanos a que um contribuinte por vezes está sujeito, e agradeceu mais uma vez a graça de ter podido conhecer essa realidade antes de morrer.
Um homem desconcertante, porque, como mais nenhum outro que eu até agora tenha conhecido, viveu profunda e genuinamente o Princípio e Fundamento dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio:

O homem é criado para louvar,
reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor,
e assim salvar a sua alma.
E as outras coisas sobre a face da terra
são criadas para o homem,
para que o ajudem a alcançar o fim
para que é criado.
Donde se segue que há-de usar delas
tanto quanto
o ajudem a atingir o seu fim,
e há de privar-se delas
tanto quanto dele o afastem.
Pelo que é necessário tornar-nos indiferentes
a respeito de todas as coisas criadas
em tudo aquilo que depende da escolha
do nosso livre-arbítrio, e não lhe é proibido.
De tal maneira que, de nossa parte,
não queiramos mais saúde que doença,
riqueza que pobreza,
honra que desonra,
vida longa que breve,
e assim por diante em tudo o mais,
desejando e escolhendo apenas o que mais nos conduz
ao fim para que somos criados.

Acho que qualquer pessoa que subestime o desconcerto destas palavras, não as está a encarar seriamente. Não se dá conta sequer da revolução que podem operar numa vida.
E creio que quem não se sente vergar perante a santidade de quem põe isto em prática, não se deixou simplesmente tocar.
Quanto a mim, sinto que tenho uma vida inteira (realmente, preciso de décadas) para perceber um pouco de tudo isto, um mínimo que seja. Mas sou uma formiga que aspira a escalar uma montanha, é quase ridícula a pretensão desta tarefa.

2 comentários:

  1. Stora, gostei imenso do que escreveu! Ultimamente tenho ouvido dizer tantas coisas boas do Padre Amadeu que fico com pena de não ter falado com ele mais vezes. É sempre bom saber mais coisas e acho que nunca tinha lido o texto do Princípio e Fundamento a pensar que alguém pudesse aspirar a torná-lo real na vida prática. Para mim era muito mais teórico! Fiquei com vontade de o ler e reler e tentar abrir lugar para ele na minha vida. Ainda que com um intermediário, já aprendi mais uma lição do Padre Amadeu. Obrigada, professora! Fez-me mesmo bem ler o post!
    Um beijinho, Leonor. (não sei se ainda se lembra de mim..)

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  2. Que bom, Leonor, obrigada!
    Claro que me lembro de ti! Côxa, com duas muletas, teimosamente a caminho de Taizé!
    Sei que tens um blog e que até lá puseste o link para meu (thanks!)
    Continua a passar por aqui e a aceitar desafios!
    Bjs

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