13 de março de 2009

As cábulas

Hoje apanhei uma aluna a copiar.

Durante uns primeiros arrastados minutos, tive imenso pudor em me aproximar dela, em mostrar a intenção explícita de ver o que tinha no colo. O politicamente correcto actualmente diz-nos que, na dúvida, não se deve acusar ninguém, todos são inocentes até que se prove o contrário, e eu até concordo - ou concordava - com isto, até agora. Mas às tantas, já com mais medo de que, de facto, se confirmassem as minhas suspeitas do que de estar a ser injusta, aproximei-me. Pensei que, eventualmente, tivesse um velho papel-cábula do século passado, escrito a letras pequeninas como se fazia dantes. Mas encontrei um bruto telemóvel enterrado entre as pernas. Com um ecrã enorme e 6 mensagens enviadas com o enunciado de 6 perguntas do teste. E 6 respostas, longas, desenvolvidas, a essas 6 perguntas, mandadas por uma colega da turma ao lado. Que estava a ter aula. Que está sentada no meio da sala, a 2 metros do professor que, por mais atento que estivesse (e sei que o está), não se apercebeu de nada, enquanto ela mandava o teste inteirinho por telemóvel à outra.

Estou mesmo chocada. Para além do choque de me aperceber de quão fácil é isto acontecer e quão lerda tenho sido, veio o choque sociológico. Depois do teste anulado e dos adjacentes telefonemas para os pais, a miúda levou horas até mostrar arrependimento, e os colegas terminaram o teste sorridentes, a querer conversar comigo sobre várias coisas, sem se aperceberam da minha perturbação e impávidos perante um mundo em que é banal ser desonesto. Os alunos de outra turma a quem contei o episódio só me perguntavam, perplexos: isto nunca lhe tinha acontecido antes, stora?
Pois. Quantas e quantas vezes isto não terá já acontecido, quantas e quantas pessoas que lêem este blog não acharão ridículo eu escrever com tanto pathos e estupefacta indignação um post em que falo de um tão insignificante quão anedótico pecado da sua juventude.

Mas a verdade é que não me conformo, e acho que a banalidade deste mal é mais um dos sintomas da nossa pequenez moral como povo. Como é que um país se pode sustentar quando a todos parece a mais cómica das proezas fazer cábulas, cada vez mais inovadores, cada vez mais engenhosas? E todos perguntam - qual é o mal?!
E eu sinto-me um zarolho em terra de cegos, a insistir em não perceber como é que não se reconhece toda a desonestidade - antes de mais para connosco próprios - de sermos capazes de nos deixarmos avaliar pelo que não somos. E não consigo deixar de me sentir pessoalmente usada, gozada, humilhada pela necessidade e o descaramento de copiarem nos meus testes. E profundamente assustada com um Portugal-futuro (ou mundo-futuro que seja) em que as consciências deixam de funcionar tão cedo. É só sair da primária - ou do 2º ciclo, vá - e quem não copia (= engana = mente = corrompe) é banana. E o professor que se escandaliza é um extra-terrestre, está fora do mundo.
Os meios são justificados pelos fins nestas pequenas coisas. Na evidência de que a cábula é uma mentirinha inofensiva (e desculpabilizada pela sua normalidade) em comparação com a necessidade de uma positiva.
Como é que depois se espera que a sociedade não funcione segundo a mesma lógica nas coisas maiores? O fim de me safar no orçamento familiar justifica o meio de fugir aos impostos. O fim de dar uma educação decente aos putos justifica o meio de aldrabar as contas do patrão.
É óbvio! Como é que ninguém parece ver que estamos a perpetuar a justificação da desonestidade?

5 comentários:

  1. O que é que é ridículo?

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  2. Eu cá não acho ridículo, pois o seu ponto de vista é compreensível, mas acho que a professora devia, se assim entender, dar uma segunda oportunidade a quem lhe fez isso. por vezes, as pessoas mudam quando certas coisas acontecem, e este pode ser o caso. Mas o que eu acho que deve ser punido é o acto em si e não a pessoa que deu a copiar. toda a gente merece uma segunda oportunidade e um segundo voto de confiança. Acho que não foi de todo uma ofensa à professora, mas a decisão (admita que é um dilema para qualquer pessoa) de "ajudar" ou não um colega a ter melhor nota...

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  3. concordo plenamente com o sujeito acima

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  4. ridiculos sao aqueles q nao acreditam que de pequenos gestos se fazem os grandes destruidores...se hoje fazer cábula, copiar ou sei lá o q é simples...amanha morrer um paciente na mesa de operação ou a corrupção pra ter dinheiro facil também o será.

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