5 de fevereiro de 2006



As demolições no bairro da
Azinhaga dos Besouros (Amadora)
dos dias 24 e 25 de Janeiro chegaram aos meios de comunicação e impressionaram algumas pessoas. Óptimo.
Pena é que só uns quantos estudantes Erasmus, juntamente com membros da Associação Solidariedade Imigrante, se tenham solidarizado com as pessoas em causa e se tenham deslocado ao local para tentar "resistir". Contou-me em primeira mão uma amiga minha italiana que estava a fazer Erasmus aqui em Lisboa que foi tristíssimo: eram pouquíssimos os manifestantes e quase todos estrangeiros. Que alguns que se puseram pacificamente em cima do telhado de uma barraca foram de lá arrancados literalmente pelos cabelos, por um polícia. No segundo dia de demolições, de facto, havia bem menos gente ainda do que no primeiro, porque muitos dos manifestantes tiveram medo das repercussões físicas desta acção. Contou-me também que aos polícias com quem falou tinham sido contadas um monte de mentiras, que eles estavam ali todos convencidos de que aquelas pessoas já tinham realojamento garantido, etc...
Esta minha amiga, que de resto partiu hoje de manhã de regresso a Itália, foi-se embora com uma linda imagem do nosso país primeiro-mundista e desenvolvido.... Com os direitos das pessoas espezinhados de forma grotesca, e sem que ninguém se importe nem se mexa. As cenas passam no telejornal e os portugueses consideram tudo normal, normal que as casas sejam deitadas abaixo e as pessoas fiquem na rua, normal que os polícias recorram à violência quando os manifestantes estavam a ter uma conduta totalmente pacífica, normal que só estejam ali quatro gatos pingados, normal... enfim.
Envergonhemo-nos.


Notícia na indymedia:


As demolições no bairro da Azinhaga dos Besouros (Amadora) prosseguiram esta semana, tendo várias habitações sido destruídas sem que qualquer alternativa fosse garantida às pessoas não incluídas no último recenseamento das famílias a realojar, que data de 1993, não contemplando assim as pessoas que, no período de doze anos, se tornaram habitantes do bairro. Na terça-feira, dia 24, os bull-dozers da Câmara Municipal da Amadora destruíram cerca de quatro casas, apesar da resistência de várias pessoas, algumas das quais pertencentes ao Grupo de Direito à Habitação da Associação Solidariedade Imigrante. Elementos da PSP retiraram violentamente as activistas dos telhados das habitações, tendo recorrido ao uso de gás pimenta. Um jovem chegou a ser detido durante cerca de 30 minutos.
No período da tarde, algumas pessoas solidarizaram-se com Adriana, a proprietária da última casa prestes a ser demolida, tendo-se barricado no seu interior. Registaram-se igualmente confrontos entre forças de intervenção da PSP e alguns jovens do bairro, alegadamente provocados por disparos de caçadeira realizados por pessoas que se encontravam no local.
De destacar que tais afirmações veiculados pelos media institucionais foram inteiramente baseadas em declarações da PSP.
Durante alguns minutos verificaram-se momentos de tensão, tendo várias pedras sido arremeçadas a agentes da PSP, ao que estes responderam com o disparo de balas de borracha.
No dia 25, de manhã, máquinas e polícia voltaram à Azinhaga dos Besouros. Diversos manifestantes que tentavam impedir a demolição de uma habitação, foram violentamente empurrados pelas forças de intervenção, tendo estas estabelecido um perímetro à volta da casa. Por volta das 11h00, e após várias horas de negociação, a porta da habitação foi arrombada, tendo a proprietária e as pessoas que lá se encontravam sido retiradas e identificas pela PSP. A casa foi imediatamente demolida, sem que todos os pertences fossem retirados.
Nenhuma alternativa habitacional foi oferecida às pessoas que ficaram sem casa, tendo a autarquia apenas disponibilizado um armazém, onde os seus poucos bens serão guardados.



Notícia num jornal online de cabo-verde:
Cenas chocantes para desalojar imigrantes


DEMOLIÇÃO DE AZINHAGA DOS BESOUROS (PORTUGAL) COM FORTE INTERVENÇÃO POLICIAL


Lisboa, 25 Janeiro – Terminaram as demolições de mais de 70 casas no bairro de Azinhaga dos Besouros, na cidade da Amadora, Portugal. Algumas das famílias desalojadas, todas de origem africana, vão ficar sem abrigo por não serem enquadradas no plano habitacional da Câmara da Amadora. Com forte aparato policial, a operação concluiu-se hoje, continuando a enfrentar forte resistência: associações de solidariedade juntaram-se aos moradores que se opunham às demolições – Associação Solidariedade Emigrante, Associação Direito à Habitação, foram duas das organizações que se deslocaram à Azinhaga dos Besouros para manifestar a sua oposição ao acto determinado pela Câmara da Amadora.
Ao contrário do que ontem aconteceu, não se registaram hoje cenas de violência. Na terça-feira, as brigadas de demolição defrontaram-se com barreiras de automóveis que impediam o acesso às retro-escavadoras e a polícia usou de bastões e de tiros com balas de borracha para vencer a resistência. Houve recurso à coacção física.
A Azinhaga dos Besouros é um bairro clandestino, sobretudo habitado por imigrantes africanos (alguns cabo-verdianos) e pela segunda geração. Era um verdadeiro gueto e, segundo a Câmara, palco de manifestações de marginalidade – tráfico de droga e violência. Sendo parcialmente verdade, a Azinhaga era também a face “menos visível” (para quem a não quer ver) da realidade social das comunidades imigrantes e descendentes.
Sem uma política social eficaz, que tenha em conta a situação real das comunidades imigrantes, a demolição não é solução – apenas transfere para outros locais quem estava na Azinhaga dos Besouros... pela circunstância dessas pessoas necessitarem de habitar nalgum sítio: sem casa, sem dinheiro para alugar ou comprar, nada mais lhes resta do que construir clandestinamente novas barracas.

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