17 de março de 2010

Lições de vida

E ali estava eu, nas sessões de fisioterapia, junto àquele outro rapaz que, ao contrário de mim, e para minha secreta inveja, conseguia ser autónomo (por exemplo, colocar-se a si mesmo na cadeira com a força dos braços) e a ter de o ouvir lamentar-se por não ser como o outro, aquele que já conseguia andar com uma muleta. E pensei: "Que grande lata, dizer-me isto a mim!"
Foi aí que percebi que o ser humano tem esta mania de adiar sempre a sua felicidade. Vou ser feliz nas férias. Vou ser feliz quando o Sporting ganhar. Vou ser feliz ao fim-de-semana. E os menos ambiciosos: vou ser feliz ao fim do dia.
E decidi que não ia ser assim para mim. Sou feliz no momento presente e tenho tido uma vida fantástica.


Bento Amaral, enólogo e campeão de vela adaptada,
paralizado desde os 25 anos na sequência de um acidente,
no Fé e Justiça, 13 de Março.

4 comentários:

  1. não assisti a esse depoimento e agradeço a partilha dessas palavras sábias.

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  2. De facto existe essa tendência natural para adiar a felicidade, de adiar a vida: está quase a chegar o fim-de-semana, estão quase a chegar as férias, está quase a chegar a reforma, está quase a chegar a morte quando a encontramos estivémos a vida toda a esperar por ela.
    No entanto, creio que essa é uma análise unidimensional do problema. Essa insatisfação, a inveja do outro que já anda de muletas, é muitas vezes o mote da evolução. A infelicidade tende, em algumas pessoas, a ser o estado mais produtivo e propício ao desenvolvimento e aperfeiçoamento. De onde se pode concluir que a felicidade não é muitas vezes solidária com aqueles que querem mais. Não é o caso, pois ser campeão de vela adaptada não me parece um sinónimo de estagnação...Mas acredito que a essa felicidade não está ao alcance de todos, não sendo isso obrigatoriamente algo mau. Pode também uma pessoa ser feliz devido a essa insatisfação, a essa infelicidade, e a motivação e evolução que dela advém. Mas a predisposição a aceitar o presente como fim pode não ser desejável para alguns, sem que isso seja negativo.

    Ainda assim ambas as situação vêm da mesma atitude: agarrar o touro pelos cornos. Encarar aquilo que a vida oferece de frente e não adiar aquilo que tencionamos fazer de nós.

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  3. É verdade Tomaz, tens razão em muitas coisas.
    Mas não sei se não será uma ilusão achar que "uma pessoa pode ser feliz devido a essa insatisfação, a essa infelicidade, e a motivação e evolução que dela advém".
    "Ser descontente é ser homem", lá dizia o Pessoa.
    Percebo o sentido de luta que queres dar a esta imagem de insatisfação feliz, mas não sei se não será insensato viver a vida sempre como uma prova de obstáculos. É que o troféu é a morte, a nossa inevitável mortalidade altera o sentido das coisas.
    E por isso parece-me hoje (ao contrário do que tenho vivido até aqui) que a sabedoria está mais na capacidade de apreciar e viver a fundo o momento presente do que na adrenalina de planear e realizar objectivos futuros.

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  4. Sim, admito alguma ingenuidade. Estou de facto um verde,quer por falta de maturidade quer por excesso de esperança. Mas ainda assim, não será essa superação, e nesse caso apenas uma grande grande superação - o ultra humano digamos - o combate a morte? a perpetuação? Temo que se não existir tal coisa incorremos numa morte niilista, anuladora quase. Mas claro, estou verde e pouco sei, e não muito mais pensei (o problema de pensar é que requer tempo), sobre este assunto. Acrescentando a minha ausência de fé, vejo nesta forma de pensar o único escape da morte, da qual não escaparei certamente.
    Não quero de todo menosprezar o presente, sou aliás um grande defensor e até exemplo de aproveitador do presente, mas será o apreciar o presente incompatível com desejar mais do futuro? talvez seja e eu não o queira ver...
    Falo por experiência ao dizer que eu, como grande sonhador que sou, retiro imenso prazer de apenas idealizar situações futuras: a minha evolução! e apenas imaginar já me dá prazer, e não é por isso que deixo de gozar o presente.
    Bem, já me estendi demasiado... Mas a minha pergunta mantém-se (e volto à conversa que um dia tivemos sobre as únicas formas de transcedência do homem, sem a dimensão ultra humana não será a morte a anulação completa da vida e do seu sentido?

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