9 de junho de 2009

10 de Junho no Second Life

Eu realmente nasci no século passado.

Mas o Presidente da República não, pelos vistos, pois acaba de inaugurar o Espaço da Presidência da República no Second Life.
Sim, no Second Life, naquele mundo virtual onde podemos criar um boneco tridimensional com as características que quisermos, qual alter-ego que vive uma vida tridimensional por nós, como num jogo de computador. Esse mundo em que algumas pessoas se projectam para fugir, por alguma razão, à vida real. Para fugir à sua timidez, às merdas que correm mal, ao mau hálito, à celulite. Sei lá.
Pois é nesse fenómeno sociológico extraordinário, onde já há universidades e bancos até, e que só por si merece várias teses de doutoramento que avaliem devidamente as suas causas e implicações, que o Presidente da República acabou de inaugurar um espaço português, uma ilha futurista com direito a caravelas, astrolábios e quadrantes, e toda a simbologia eternamente repetida que esculpimos, há séculos atrás, nos monumentos manuelinos. Mudam-se os tempos, mantêm-se os mitos e as caravelas.


(Nota 1: Foi assim na passagem de ano de 2000, em que, em vez de olhar para o novo milénio que nascia, Portugal resolveu projectar nas paredes da torre de Belém, para as delícias dos milhares de pessoas que ali estavam, as supostas glórias do passado - mais uma vez, imagens de caravelas, astrolábios, quadrantes e datas, muitas datas -, estes mesmos eternos símbolos, estas mesmas muletas colectivas onde apoiamos a nossa auto-estima nacional e projectamos atavicamente a nossa identidade. Identidade gloriosa, já se sabe, de quem há 500 anos deu novos mundos ao mundo, como naquela música que ganhou o festival da Eurovisão quando eu era pequena e que eu sabia de cor, estimulada pela professora primária, a D. Maria Adelaide, que nos mandou a todos decorar a letra - já fui ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau, fui até Timor, já fui um conquistado-o-o-or.

Nota 2: Já agora, acrescento que nessa dita passagem de ano, para o caso de a efusão patriótica provocada pelos slides de naus e caravelas na torre de Belém não ser ainda suficiente, havia um concerto dos Santos e Pecadores num palco ali mesmo ao lado, com o Olavo Bilac que a cada 5 minutos ostentava uma bandeira nacional por cima da cabeça e gritava: "Somos ou não somos portugueses?" E todos respondiam com fulgor: "somos!")



No site da Presidência, está tudo devidamente explicado e há um vídeo modernaço que nos mostra a dita realidade virtual (só isto - realidade virtual - é já uma extraordinária expressão, a meu ver uma contradição nos termos), a Ilha de Portugal e da Presidência da República, "num cenário em que predomina a ecologia e a harmonia com o ambiente, combinam-se elementos da nossa história e cultura com linhas arquitectónicas futuristas, recriados em 3D e Multimédia. A Ilha é envolta em espaços verdes e recriações de animais como golfinhos, baleias, pássaros, com os quais será possível interagir de várias formas".

Não deixem de espreitar o vídeo. Num ano de eleições, não deixa de nos dar alento e de nos fazer acreditar na ressureição em versão 3D das glórias colonizadoras do nosso orgulhoso passado.

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