Mas o Presidente da República não, pelos vistos, pois acaba de inaugurar o Espaço da Presidência da República no Second Life.
Sim, no Second Life, naquele mundo virtual onde podemos criar um boneco tridimensional com as características que quisermos, qual alter-ego que vive uma vida tridimensional por nós, como num jogo de computador. Esse mundo em que algumas pessoas se projectam para fugir, por alguma razão, à vida real. Para fugir à sua timidez, às merdas que correm mal, ao mau hálito, à celulite. Sei lá.
Pois é nesse fenómeno sociológico extraordinário, onde já há universidades e bancos até, e que só por si merece várias teses de doutoramento que avaliem devidamente as suas causas e implicações, que o Presidente da República acabou de inaugurar um espaço português, uma ilha futurista com direito a caravelas, astrolábios e quadrantes, e toda a simbologia eternamente repetida que esculpimos, há séculos atrás, nos monumentos manuelinos. Mudam-se os tempos, mantêm-se os mitos e as caravelas.
(Nota 1: Foi assim na passagem de ano de 2000, em que, em vez de olhar para o novo milénio que nascia, Portugal resolveu projectar nas paredes da torre de Belém, para as delícias dos milhares de pessoas que ali estavam, as supostas glórias do passado - mais uma vez, imagens de caravelas, astrolábios, quadrantes e datas, muitas datas -, estes mesmos eternos símbolos, estas mesmas muletas colectivas onde apoiamos a nossa auto-estima nacional e projectamos atavicamente a nossa identidade. Identidade gloriosa, já se sabe, de quem há 500 anos deu novos mundos ao mundo, como naquela música que ganhou o festival da Eurovisão quando eu era pequena e que eu sabia de cor, estimulada pela professora primária, a D. Maria Adelaide, que nos mandou a todos decorar a letra - já fui ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau, fui até Timor, já fui um conquistado-o-o-or.
Nota 2: Já agora, acrescento que nessa dita passagem de ano, para o caso de a efusão patriótica provocada pelos slides de naus e caravelas na torre de Belém não ser ainda suficiente, havia um concerto dos Santos e Pecadores num palco ali mesmo ao lado, com o Olavo Bilac que a cada 5 minutos ostentava uma bandeira nacional por cima da cabeça e gritava: "Somos ou não somos portugueses?" E todos respondiam com fulgor: "somos!")
No site da Presidência, está tudo devidamente explicado e há um vídeo modernaço que nos mostra a dita realidade virtual (só isto - realidade virtual - é já uma extraordinária expressão, a meu ver uma contradição nos termos), a Ilha de Portugal e da Presidência da República, "num cenário em que predomina a ecologia e a harmonia com o ambiente, combinam-se elementos da nossa história e cultura com linhas arquitectónicas futuristas, recriados em 3D e Multimédia. A Ilha é envolta em espaços verdes e recriações de animais como golfinhos, baleias, pássaros, com os quais será possível interagir de várias formas".
Não deixem de espreitar o vídeo. Num ano de eleições, não deixa de nos dar alento e de nos fazer acreditar na ressureição em versão 3D das glórias colonizadoras do nosso orgulhoso passado.
Sim, no Second Life, naquele mundo virtual onde podemos criar um boneco tridimensional com as características que quisermos, qual alter-ego que vive uma vida tridimensional por nós, como num jogo de computador. Esse mundo em que algumas pessoas se projectam para fugir, por alguma razão, à vida real. Para fugir à sua timidez, às merdas que correm mal, ao mau hálito, à celulite. Sei lá.
Pois é nesse fenómeno sociológico extraordinário, onde já há universidades e bancos até, e que só por si merece várias teses de doutoramento que avaliem devidamente as suas causas e implicações, que o Presidente da República acabou de inaugurar um espaço português, uma ilha futurista com direito a caravelas, astrolábios e quadrantes, e toda a simbologia eternamente repetida que esculpimos, há séculos atrás, nos monumentos manuelinos. Mudam-se os tempos, mantêm-se os mitos e as caravelas.
(Nota 1: Foi assim na passagem de ano de 2000, em que, em vez de olhar para o novo milénio que nascia, Portugal resolveu projectar nas paredes da torre de Belém, para as delícias dos milhares de pessoas que ali estavam, as supostas glórias do passado - mais uma vez, imagens de caravelas, astrolábios, quadrantes e datas, muitas datas -, estes mesmos eternos símbolos, estas mesmas muletas colectivas onde apoiamos a nossa auto-estima nacional e projectamos atavicamente a nossa identidade. Identidade gloriosa, já se sabe, de quem há 500 anos deu novos mundos ao mundo, como naquela música que ganhou o festival da Eurovisão quando eu era pequena e que eu sabia de cor, estimulada pela professora primária, a D. Maria Adelaide, que nos mandou a todos decorar a letra - já fui ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau, fui até Timor, já fui um conquistado-o-o-or.
Nota 2: Já agora, acrescento que nessa dita passagem de ano, para o caso de a efusão patriótica provocada pelos slides de naus e caravelas na torre de Belém não ser ainda suficiente, havia um concerto dos Santos e Pecadores num palco ali mesmo ao lado, com o Olavo Bilac que a cada 5 minutos ostentava uma bandeira nacional por cima da cabeça e gritava: "Somos ou não somos portugueses?" E todos respondiam com fulgor: "somos!")
No site da Presidência, está tudo devidamente explicado e há um vídeo modernaço que nos mostra a dita realidade virtual (só isto - realidade virtual - é já uma extraordinária expressão, a meu ver uma contradição nos termos), a Ilha de Portugal e da Presidência da República, "num cenário em que predomina a ecologia e a harmonia com o ambiente, combinam-se elementos da nossa história e cultura com linhas arquitectónicas futuristas, recriados em 3D e Multimédia. A Ilha é envolta em espaços verdes e recriações de animais como golfinhos, baleias, pássaros, com os quais será possível interagir de várias formas".
Não deixem de espreitar o vídeo. Num ano de eleições, não deixa de nos dar alento e de nos fazer acreditar na ressureição em versão 3D das glórias colonizadoras do nosso orgulhoso passado.
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