19 de junho de 2009

Estória pessoal

Toda a minha vida tenho odiado cebolas.

Dão-me vómitos. É uma repulsa visceral que sobe por mim acima em laivos rítmicos, motivada pelo sabor, a consistência, o próprio conceito da cebola, quer em versão crua quer cozida. Nada a fazer.

Até que hoje me faltou uma cebola para pôr na sopa.



Ode à Cebola


Cebola
Luminosa redoma
pétala a pétala
cresceu a tua formosura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se foi arredondando o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
foi o milagre
e quando apareceu
o teu rude caule verde
e nasceram as tuas folhas como espadas na horta,
a terra acumulou o seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar remoto
duplicou a magnólia
levantando os seus seios,
a terra
assim te fez
cebola
clara como um planeta
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
das gentes pobres.

Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da frigideira
e os estilhaços de cristal
no calor inflamado do azeite
transformam-se em frisadas plumas de ouro.

Também recordarei como fecunda
a tua influência, o amor, na salada
e parece que o céu contribui
dando-te fina forma de granizo
a celebrar a tua claridade picada
sobre os hemisférios de um tomate.
mas ao alcance
das mãos do povo
regada com azeite
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no seu duro caminho.
estrela dos pobres,
fada madrinha
envolvida em delicado
papel, sais do chão
eterna, intacta, pura
como semente de um astro
e ao cortar-te
a faca na cozinha
sobe a única
lágrima sem pena.
Fizeste-nos chorar sem nos afligir.

Eu tudo o que existe celebrei, cebola
Mas para mim és
mais formosa que uma ave
de penas radiosas
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina
baile imóvel
de nívea anémona

e vive a fragrância da Terra
na tua natureza cristalina.

Pablo Neruda

1 comentário:

  1. Morre lentamente de Pablo Neruda
    Morre lentamente quem não viaja
    Quem não lê,
    Quem não ouve música,
    Quem não encontra graça em si mesmo.

    Morre lentamente,
    Quem destrói seu amor próprio,
    Quem não se deixa ajudar.

    Morre lentamente,
    Quem se transforma em escravo do hábito,
    Repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
    Quem não muda de marca,
    Não se arrisca a vestir uma nova cor,
    Ou não conversa com quem não conhece.

    Morre lentamente,
    Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,
    Justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
    E os corações aos tropeços.

    Morre lentamente,
    Quem não vira a mesa quando está infeliz,
    Com o seu trabalho, ou amor,
    Quem não arrisca o certo pelo incerto,
    Para ir atrás de um sonho,
    Quem não se permite,
    Pelo menos uma vez na vida,
    Fugir dos conselhos sensatos…


    Viva hoje!

    Arrisque hoje!

    ResponderEliminar