No PÚBLICO de anteontem, entre outras considerações que não discuto aqui, Pacheco Pereira afirmava que, se Portugal fosse um país a sério, "não deixaria sequer um político balbuciar (como fazem no Bloco de Esquerda), face aos acontecimentos no Bairro da Bela Vista, que se trata de uma 'questão social'". A Igreja poderia fazê-lo porque "o seu Reino não é cá na Terra". "Mas a caridade não é a missão do Estado. A missão de Estado é garantir a nossa segurança, sem mas, nem ambiguidades." E passava de seguida a explicar por que razão as crises económicas e sociais nada têm a ver com o crime: "Os pobres não fazem carjacking, não se armam com uma caçadeira e não vão assaltar bancos, bombas de gasolina, ourives e ourivesarias, e caixas multibanco, para comprar roupa de marca." Está assim demonstrado.
Eu tenho uma opinião algo diferente sobre o tipo de coisa que faria de Portugal "um país a sério". Se Portugal fosse "um país a sério", o debate público sobre este tipo de questões já não ocorreria ao nível em que Pacheco Pereira o colocou. Haveria uma comunidade académica pujante de investigadores dedicados ao estudo do fenómeno do crime, cujo papel no debate público sobre este assunto já teria inibido qualquer pessoa que se apresente como "historiador" (ou seja, como um cientista social) de escrever o que Pacheco Pereira escreveu com objectivos única e exclusivamente políticos. Essa comunidade poderia já ter explicado, por exemplo, que não há hoje praticamente dúvidas de que os factores que melhor explicam a incidência de crimes num determinado contexto são a pobreza das populações e a falta de mecanismos de "controlo social" (em particular, a existência de alta instabilidade familiar). Que os efeitos positivos da encarceração sobre o crime são contrabalançados por efeitos negativos, ligados à quebra da estrutura familiar e à aprendizagem do crime nas prisões. Lembrariam também que, num "país a sério" como os Estados Unidos, o Departamento de Justiça e a Associação Nacional de Polícias estão seriamente preocupados com os efeitos da actual recessão económica na incidência de vários tipos de crimes, incluindo não apenas fraudes mas também todo o tipo de furtos, vandalismo, tráfico de drogas e violência doméstica. Que um conhecido estudo do Banco Mundial, utilizando dados de 86 países ao longo de 14 anos, mostra como as crises económicas aumentam a criminalidade. E que, na base da investigação existente, os factores que menos ajudam a explicar a criminalidade são a dureza das penas, o número de efectivos policiais e o aumento de recursos para as polícias. Na ciência, e ainda menos nas "ciências sociais", não há certezas. Mas é o melhor que temos. Fazer de conta que não existem, para quem se apresenta como fazendo algo mais do que mero combate político, justifica-se apenas por ignorância ou cegueira voluntária. Num país a sério, uma ou outra seriam dificilmente desculpáveis.
Pedro Magalhães
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