4 de maio de 2009

Mau demais

Podemos começar pela cena em que a mãe e o filho abordam directamente o facto de o pai estar para morrer, não tarda nada, de cancro:

"Que chatice, isto" - diz o filho.

"Ah, é horrível" - suspira a mãe e abana a cabeça.

Ao que acrescenta, como quem não quer a coisa:

"Mas chega de tristezas"

(lindo! quando eu tiver um pai a morrer, também me parecerá verosimilhante que a minha mãe diga isto) e decide mudar de assunto.

"Olha lá, tu não dormes cá?".
(p.81)

Continuamos na mesma página, com os comentárias da referida senhora às próximas viagens do filho:

"Ai minha nossa! Um voo!"

"Ai, Virgem Santíssim! Já estou arreliada."
(p.81)

Ela, de facto, é uma mãe extremosa, como deve ser, que abre os braços a acolher o seu rebento (trintão e doutorado) e diz:

"Credo, já estava em cuidados"

acrescentando pouco depois:

"Ai, só te digo, filhinho: viver está pela hora da morte. Pela hora da morte!"

(realmente, o mal deve ser da minha mãe. Por que raio é que ela não fala assim? Que mania de ser diferente!)

Passamos agora para o lado más másculo da família, um professor universitário introspectivo e anti-social a quem diagnosticaram um cancro e a iminência da morte certa e que, pela primeira vez, desabafa com o filho sobre sentimentos e medos. E como é que se desenrola a conversa?
Com 13 páginas de uma lição de bioquímica sobre a natureza material da Vida e a semelhança entre o cérebro humano e os computadores.
(pp.87-99)

(e eu vou confirmando os complexos que este livro em mim suscita, quanto à minha família e ao desinteresse das nossas conversas...)

E como se não bastassem estas citações demonstrativas da qualidade literária da obra, temos as descrições:

"Uma mulher alta e de longos cabelos negros aproximou-se do homem; vinha do interior do museu e ostentava um sorriso cativante. Tinha os olhos de um intrigante castanho-amarelado, os lábios grossos e sensuais pintados de escarlate, uns discretos brincos de rubis e um tailleur cinzento colado ao corpo, saltos altos negros realçavam-lhe as curvas perfeitas e as pernas longas de modelo."
(p.24)

Quem é que resiste a uma cena destas? De facto, o rapaz não hesita, e prega-lhe logo dois ou três piropos:

"Não sabia que as iranianas eram assim tão bonitas".

E ela?

"O rosto de Ariana abriu-se num sorriso maravilhoso".

Mas as cenas cinematográficos não dizem só respeito ao sexo forte, também a natureza não lhes escapa:

"Fazia sol, os arbustos coloriam de verde os jardins mimosos, graciosas casas de madeira espreitavam a rua, as folhas tremelicavam sob a brisa leve da manhã"

(ai, desculpa, não percebi bem, podes explicar melhor?)

"o ar ameno encheu-se de aroma e melodia, perfumado pela fragrância fresca das glicínias, embalado pelo estridular laborioso das cigarras na relva rasteira e pelo arrulhar meigo de um beija-flor."

(epá, que lindo! Mas falta aqui a gente, sei lá, crianças....)

"Uma gargalhada despreocupada juntou-se ao harmonioso concerto da natureza, era uma criança loira que guinchava de alegria e saltitava pelo passeio, puxando um colorido papagaio de corda."
(p.11)

Inebriante.

Mas voltemos à gaja da boca escarlate. Há um capítulo que começa logo a falar dela, vamos ver a primeira frase:

"Os olhos quentes de Ariana Pakravan esperavam por Tomás junto à saída dos passageiros".
(p.100)

Grande início. Pouco depois, a sua "voz sensual" diz ao nosso herói que no Irão as mulheres não podem conduzir.
E o que é que o dito cujo, portuguesinho da Silva, responde, perguntam vocês?

"Puxa."

(citações de A Fórmula de Deus, José Rodrigues dos Santos)

1 comentário:

  1. Puxa mesmo, espero sinceramente que tenham emprestado esse livro :D

    e se gostas deste estilo lirico-meloso-merdoso tens que passar na fnac e tentar 'ler' margarida rebelo pinto.

    bj
    g.

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