Podemos começar pela cena em que a mãe e o filho abordam directamente o facto de o pai estar para morrer, não tarda nada, de cancro:
"Que chatice, isto" - diz o filho.
"Ah, é horrível" - suspira a mãe e abana a cabeça.
Ao que acrescenta, como quem não quer a coisa:
"Mas chega de tristezas"
(lindo! quando eu tiver um pai a morrer, também me parecerá verosimilhante que a minha mãe diga isto) e decide mudar de assunto.
"Olha lá, tu não dormes cá?".
"Olha lá, tu não dormes cá?".
(p.81)
Continuamos na mesma página, com os comentárias da referida senhora às próximas viagens do filho:
"Ai minha nossa! Um voo!"
"Ai, Virgem Santíssim! Já estou arreliada."
(p.81)
Ela, de facto, é uma mãe extremosa, como deve ser, que abre os braços a acolher o seu rebento (trintão e doutorado) e diz:
"Credo, já estava em cuidados"
acrescentando pouco depois:
"Ai, só te digo, filhinho: viver está pela hora da morte. Pela hora da morte!"
(realmente, o mal deve ser da minha mãe. Por que raio é que ela não fala assim? Que mania de ser diferente!)
Passamos agora para o lado más másculo da família, um professor universitário introspectivo e anti-social a quem diagnosticaram um cancro e a iminência da morte certa e que, pela primeira vez, desabafa com o filho sobre sentimentos e medos. E como é que se desenrola a conversa?
Com 13 páginas de uma lição de bioquímica sobre a natureza material da Vida e a semelhança entre o cérebro humano e os computadores.
(pp.87-99)
(e eu vou confirmando os complexos que este livro em mim suscita, quanto à minha família e ao desinteresse das nossas conversas...)
E como se não bastassem estas citações demonstrativas da qualidade literária da obra, temos as descrições:
"Uma mulher alta e de longos cabelos negros aproximou-se do homem; vinha do interior do museu e ostentava um sorriso cativante. Tinha os olhos de um intrigante castanho-amarelado, os lábios grossos e sensuais pintados de escarlate, uns discretos brincos de rubis e um tailleur cinzento colado ao corpo, saltos altos negros realçavam-lhe as curvas perfeitas e as pernas longas de modelo."
(p.24)
Quem é que resiste a uma cena destas? De facto, o rapaz não hesita, e prega-lhe logo dois ou três piropos:
"Não sabia que as iranianas eram assim tão bonitas".
E ela?
"O rosto de Ariana abriu-se num sorriso maravilhoso".
Mas as cenas cinematográficos não dizem só respeito ao sexo forte, também a natureza não lhes escapa:
"Fazia sol, os arbustos coloriam de verde os jardins mimosos, graciosas casas de madeira espreitavam a rua, as folhas tremelicavam sob a brisa leve da manhã"
(ai, desculpa, não percebi bem, podes explicar melhor?)
"o ar ameno encheu-se de aroma e melodia, perfumado pela fragrância fresca das glicínias, embalado pelo estridular laborioso das cigarras na relva rasteira e pelo arrulhar meigo de um beija-flor."
(epá, que lindo! Mas falta aqui a gente, sei lá, crianças....)
"Uma gargalhada despreocupada juntou-se ao harmonioso concerto da natureza, era uma criança loira que guinchava de alegria e saltitava pelo passeio, puxando um colorido papagaio de corda."
(p.11)
Inebriante.
Mas voltemos à gaja da boca escarlate. Há um capítulo que começa logo a falar dela, vamos ver a primeira frase:
"Os olhos quentes de Ariana Pakravan esperavam por Tomás junto à saída dos passageiros".
(p.100)
Grande início. Pouco depois, a sua "voz sensual" diz ao nosso herói que no Irão as mulheres não podem conduzir.
E o que é que o dito cujo, portuguesinho da Silva, responde, perguntam vocês?
"Puxa."
(citações de A Fórmula de Deus, José Rodrigues dos Santos)
Puxa mesmo, espero sinceramente que tenham emprestado esse livro :D
ResponderEliminare se gostas deste estilo lirico-meloso-merdoso tens que passar na fnac e tentar 'ler' margarida rebelo pinto.
bj
g.