Nos meios que dão prioridade à natureza e ao ambiente, estão ser universalmente debatidas as implicações da crise financeira e económica mundial com a maior atenção.
São duas as principais abordagens que o debate revela. De certa perspectiva, a crise financeira (que é também económica e institucional) surge como uma ameaça às políticas de combate às alterações climáticas e a outras políticas de protecção do ambiente. (...)
Segundo outra vertente, a crise é oportunidade. De facto, a parcial paralisia da máquina económica é vista por outros como uma oportunidade de reorientar toda a economia num sentido mais favorável ao ambiente e uma demonstração de efeitos benéficos de uma paragem em actividades destrutivas.
É essa por exemplo a posição de Hervé Kempf, que num pequeno artigo, na edição do Le Monde de 15-16 de fevereiro de 2009, nos convida a imaginar o que aconteceria se o produto interno bruto (PIB) da China tivesse continuado a crescer 10 por cento ao ano, o dos Estados Unidos 5 por cento e o da Europa 2,5 por cento. As emissões de gases de efeito de estufa daí resultantes teriam rapidamente atingido o limiar que faria bascular no irreparável as alterações climáticas. O colapso da biodiversidade ter-se-ia acelerado, precipitando a sociedade humana num caos indescritível. Ao deter este crescimento louco do PIB mundial, a «crise económica» permite atenuar os assaltos da humanidade sobre a biosfera, ganhar tempo e reflectir na nossa reorientação.
(...)
Prosseguindo o resumo da crónica de Hervé Kempf, ele lembra, a seguir, que a crise, ou mesmo o seu momento, era previsível para o caso dos Estados Unidos mas também para o da China.
Ele próprio a previu ao escrever em 2006:
«Entrámos num estado de crise ecológica duradoura e planetária, que se deveria traduzir por um abalo próximo do sistema económico mundial. Os rastilhos possíveis poderiam acender-se na economia ao atingir a saturação e esbarrar contra os limites da biosfera: (...) Como um toxicodependente que só se mantém de pé à custa de doses repetidas, os Estados Unidos, drogados do sobreconsumo, titubeiam antes do colapso; uma forte travagem do crescimento chinês, já que se sabe que é impossível que tal crescimento mantenha duradouramente um ritmo de crescimento anual muito elevado. Desde 1978, a China conheceu um crescimento anual da sua economia de 9,4 por cento. O Japão é um precedente a não esquecer: vinte anos de crescimento assombroso, e em seguida a estagnação duradoura desde o início dos anos 1990».
PROGNÓSTICOS E SAÍDAS
O prognóstico do cronista é que a economia não voltará a arrancar como antes e que o crescimento mundial do PIB não voltará aos 5 por cento; teria terminado a expansão rapidíssima da China e da Índia. Temos pois, segundo ele, que conceber um mundo novo, uma outra economia, uma outra sociedade, inspirados pela ecologia, pela justiça e pelo cuidado pelo bem comum.
O prognóstico poderá estar errado, mas é evidente que o de 2006 se confirmou em pleno, para já. (...)
De facto, estamos sempre a ler e a ouvir que NINGUÉM previu esta crise. Não é verdade, não apenas pela citação que fizemos de Kempf, mas também devido a muitos outros analistas, incluindo economistas, embora minoritários (...), que não se limitam a análises mas propõem caminhos, para além de inúmeras correntes de pensamento e de práticas que, um pouco por todo o mundo, têm procurado seguir inspiração semelhante. Claro que nada disso existe aos olhos do mundo oficial, que é quem dita a regra do que existe ou não existe.(...)
E AGORA, QUE FAZER?
(...)
A resposta de Kempf é, quiçá, um pouco abrupta:
(...) a dependência, o endividamento, a inflação, não são a solução. Consertar o reboco do edifício não poderá reparar alicerces em ruínas. Importa pelo contrário operar uma redistribuição da riqueza colectiva em direcção aos pobres; a ferramenta para isso poderia ser o RMA: rendimento máximo admissível.
(...) Ainda segundo Kempf, a redução da desigualdade também ajudará a alterar o modelo cultural de sobreconsumo, e tornará suportáveis as descidas necessárias e inelutáveis do consumo material e de consumo de energia nos países ricos.
Outra exigência: orientar a actividade humana para os domínios de fraco impacto ecológico, mas criadores de emprego, e nos quais as necessidades são imensas: saúde, educação, cultura, poupança de energia e sua produção ambientalmente compatível, incluindo a mais importante forma de energia que é a agricultura, transportes colectivos, a conservação e restauração da natureza.
Fácil? Não. Mas, segundo ele, mais realista que julgar possível o regresso à antiga ordem, a anterior a 2007.
E por aqui me fico, não sem antes referir um artigo também publicado no mesmo jornal (mas em inglês, num pequeno suplemento do The New York Times), sobre a forma como os japoneses estão a reagir à crise: reforçando a poupança, refreando o consumo, levando um estilo de vida mais simples, para desespero dos «economistas» (seria mais certo chamar-lhes «gastadoristas»), que põem, desaprovadoramente, como parte da explicação, a ancestral cultura oriental que encontramos já compendiada nos grandes mestre chineses, no taoísmo, em Confúcio, etc, e que era também a «cultura» tradicional no Ocidente até há bem pouco tempo.
adaptado de José Carlos Marques
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