21 de maio de 2009

Credo

(Quanta treta se pode concentrar em meia dúzia de linhas!....)



"Para nós, já é óbvio que podemos afundar as mãos no mar, na areia, no nosso passado, seja no que for, que sai rock."

Lindo, esta imagem de "afundar as mãos" é profundamente poética.


"Sai rock que é português e nada mais."

Pois, porque se eu cantar noutra língua o meu rock fica automaticamente estrangeiro.
O que - lá está - seria um verdadeiro drama.
Porque a gente precisa de dar uma identidade nacional à música.



"Golpe a golpe, inventamos Portugal."

Não, esperem, há outra ainda melhor:

"Golpe a golpe construímos Portugal".


No comments (ups, já estou eu com estrangeirismos), sem comentários.

Mas não resisto.
Porque isto é que é. Vontade de construir, jovens empreendedores e patriotas. Golpe a golpe.
Mal posso esperar pelo novo Portugal que vem aí.



"Há este lado de usar bandeiras e torná-las de novo património comum que acho importante."

Ah, sim, além do rock, é com bandeiras que se faz Portugal.
Andam-nos mesmo a fazer falta, é desde o Euro que não as usamos e já se nota a diferença!
As pessoas andam mais fechadas, mais individualistas, sei lá...


"Podemos perfeitamente embrulhar-nos em bandeiras, como faz o Morrissey ou como fazem os The Who, e dizer 'isto somos nós, isto é Portugal e é só pop'."


Uow! Eu agora até me baralhei. Por onde é que hei-de pegar nesta deixa? Pelo "podemos perfeitamente embrulhar-nos em bandeiras", que remete para "podemos fazer biscoitos na areia" ou "podemos ficar na cama até mais tarde" ou "podemos sujar o tapete que a mãe não vê"?

ou pegar antes na retumbante frase final cheia de um conteúdo que me escapa, certamente:

isto é Portugal (desculpa?) e é só pop (como?)



Do artigo no Ípsilon sobre os Golpes.

Alguém explica a esta gente (quer a quem fala e canta, quer a quem escreve e publica) que nem toda a sequência de palavras com sonoridade corresponde a um efectivo raciocínio conceptual e significativo, e que por isso nem tudo o que se "pode perfeitamente" dizer, vale a pena ser dito?

É que se querem brincar com as palavras façam poesia, sei lá, teatro experimental, uma instalação. Mas não pretendam justificar a vossa música, com tanga.

Já nos anos '80 era ridículo este sebastianismo. Agora ainda é pior. Neo-neo-neo-culto do 5º império. Poupem-me.



P.S. Que não se ofendam os caros leitores deste blog que são entusiastas destes arautos da portugalidade em tempo de cidadania global. Armem-se de sentido crítico e contra-argumentem, claro, não me deixem sem resposta. Mas não se ofendam.....

13 comentários:

  1. É difícil contra-argumentar contra argumentos tão baratos...

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  2. Olhe que assim ficamos na mesma...

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  3. Que mal tem o grupo se chamar Golpes, e dizerem que "Golpe a golpe construímos Portugal"???

    Será que Eva e Adão ao ver a irresponsabilidades dos seus filhos também mal podiam esperar pelo novo Mundo??
    E acha que o mundo/Portugal de agora está mal? Ou vai ficar pior?? Só porque querem construir Portugal "fazendo golpes"?.. será que isso e mau?!

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  4. Tem razão. Volto mais tarde. Até então.

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  5. Caro Anónimo,

    essa de Adão e Eva ultrapassou-me, não percebi o argumento.
    Quanto ao resto, eu não digo que é "mau". Simplesmente que é retórica pura. E o jogo de palavras com o nome não invalida isso.
    E sim, acho que o Portugal de agora (não falo em "mundo" porque eles também não) está mal, e eles também acham, senão não precisariam de o inventar ou construir. Certo?
    Mas não acho que vá ficar pior por causa dos "golpes" deles!
    Acho que é que vai ficar igual. Totalmente igual. Porque não é com rock que se muda nada, a função do rock não é essa, nem é esse o seu potencial.
    Por isso acho muito pateta a pretensão do contrário. Retórica adolescente e pateta.

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  6. Se calhar eles não falam em construir Portugal, como país, mas sim como rock.Se calhar dizem que querem inventar ou construir um [novo] rock, dado que é essa a paixão deles. (as figuras de estilo também existem, e eles usam-nas).
    E para muitas pessoas o rock muda muita coisa,(é o caso dos Golpes).
    Se diz que a função do rock não é mudar nada, então qual é a sua função? Não percebo porque diz que não é esse o seu potencial..

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  7. Se calhar, pois, mas eu acho que não é só isso. Porque há a questão das bandeiras, do património comum, do "isto é Portugal, e é só pop".
    Também as bandeiras podem ser uma figura de estilo, claro, mas será que são? Na estrevista, numa parte que eu não transcrevi, eles dizem que o pessoal está todo "farto de ter vergonha", o que remete para mais do que o mero rock, não acha?
    Para uma pátria que se esconde - como eles dizem na "Marcha", uma "pátria ausente".
    Quanto ao potencial ou à função do rock, eu acho que é menos nobre do que você acha, provavelmente. O rock é entertaining, é criativo, dá para dançar, o que é óptimo, dá garra e pica, o que é motivante. Pode elevar, por vezes eleva, mas numa dimensão sempre lúdica. Saímos todos contentes de um concerto de rock, excitados, cheios de emoções fortes. Mas é isso que constrói um país? Duvido.

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  8. Eu não duvido. Acha que a felicidade não constroi um país? Acha que não muda as pessoas? A musica trás felicidade e a felicidade muda. E na minha opinião isso constrói um país, não só mas também.
    Em relação ao que eles dizem, o "farto de ter vergonha", sim remete para mais do que o mero rock, mas sei que eles usam a musica não só para se divertirem mas também para "mudar".

    Não percebo qual a razão para "criticar" o que eles dizem. É por achar que eles mesmo sabendo que país etá mal, não o vão conguir mudar?

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  9. Eu acho que há vários tipos de felicidade e que nem todas elas constroem o Bem Comum.

    Quanto a porque é que eu critico o que eles dizem, acho que não consigo explicar melhor do que expliquei.
    O ridículo tem esta característica: é intrinsecamente subjectivo. Para mim, tudo isto é ridículo, é pueril, é uma banda de garagem que tem o mito do punk anos 80 e quer ser "grande" e afirmar coisas "importantes" mas vazias de conteúdo, ingénuo-com-a-mania-que-não.
    Não é por eles não conseguirem mudar o país que eu os critico, mas pelos cavalos ao pôr do sol e os ares salvíficos com que proclamam que o vão fazer. É toda uma mitologia que me dá vontade de rir.
    Mas se você não acha isto ridículo, muito bem, provavelmente acha ridículas outras coisas que eu não acho. É a tal subjectividade.
    Obrigada por ter escrito. E ao "anónimo" também.

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  10. Não, não acho ridículo. Mas gosto da maneira como se explica, embora não partilhe da sua opinião.
    Agradeço-lhe também por me ter respondido.

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  11. é impressão minha ou noutro dia, disse para ouvirmos as "transumâncias" de não sei o quê..?
    um beijo
    vasco c.

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  12. Ehehe, boa boca. mas ainda não é desta que me arrumas.
    O pretensiosismo de uns e a simplicidade dos outros (recuperação da música tradicional em chave punk) impede qualquer comparação.
    Perdeste um bom concerto, na verdade.

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  13. É tão bonito comentar como anónimo...
    A mim, este peito de rola só faz rir.
    Mas gosto da música. O estilo, apenas estilo, não é ridículo, quando tenta ser mais do que isso torna-se parvo... Resta saber se a entrevista é só mesmo estilo ou convicção.
    Tomás Cruz

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