15 de novembro de 2009

Argumentário filosófico contra quem é contra o casamento dos homossexuais

Realmente a Filosofia pode ser útil - se alguém a ler:


«John Stuart Mill explica assim, em Sobre a Liberdade (Edições 70), o princípio do dano:

"É o princípio de que o único fim para o qual as pessoas têm justificação, individual ou colectivamente, em interferir na liberdade de acção de outro, é a autoprotecção.(...)"

Se aceitamos o princípio do dano, então o que é importante é discutir se o casamento entre homossexuais (...) causa dano a alguém.
Parecem ser usados fundamentalmente dois argumentos contra a legalização do casamento entre homossexuais, que serão discutidos de seguida. (...)

A homossexualidade é imoral

É preciso notar que nem todas as coisas que são imorais devem ser proibidas por lei (faltar a um encontro com um amigo e não avisar por preguiça é imoral, mas não deve ser proibido por lei); logo, mesmo que a homossexualidade fosse imoral, isso não seria suficiente para proibir as relações homossexuais ou para deixar de legalizar os casamentos entre homossexuais. (...)
Note-se, entretanto, uma linha de argumentação bastante estranha, mas comum: há quem argumente que os casamentos entre homossexuais não devem ser legalizados, porque a homossexualidade é imoral, mas ao mesmo tempo não ache que os comportamentos homossexuais em si devam ser proibidos, porque dizem apenas respeito aos próprios! (...)

O casamento serve para procriar

Este é um mau argumento porque, de modo a sermos coerentes, se não legalizássemos os casamentos entre homossexuais porque o casamento serve para procriar e os homossexuais não podem procriar, então deveríamos também proibir as pessoas estéreis de se casar. Mas não se deve proibir as pessoas estéreis de se casar. Logo, o simples facto de os homossexuais não poderem procriar não é uma boa razão para que sejam proibidos de se casar.
Segundo outra versão deste argumento, a legalização do casamento entre homossexuais constituiria um ataque à família. Este argumento (...) parece partir do pressuposto dúbio de que legalizar os casamentos entre homossexuais constituiria um desincentivo à procriação e à formação de relações heterossexuais. Mas os homossexuais não se sentem atraídos por pessoas do sexo oposto, pelo que não legalizar o casamento entre homossexuais não os levará, certamente, a fazer algo que de outro modo não fariam. (...)

Conclusão

A vontade de impedir a legalização do casamento entre homossexuais e da adopção por parte de homossexuais deriva, em grande medida, de uma tendência lamentável para tentar impor aos outros o estilo de vida que consideramos melhor — uma tendência infelizmente entranhada na sociedade portuguesa. Gostaria de terminar com uma citação de Mill, que sintetiza o espírito por detrás da defesa da legalização do casamento entre homossexuais e da adopção por parte de homossexuais:

"A única liberdade que merece o nome, é a liberdade de procurar o nosso próprio bem à nossa própria maneira, desde que não tentemos privar os outros do seu bem, ou colocar obstáculos aos seus esforços para o alcançar. Cada qual é o justo guardião da sua própria saúde, tanto física, como mental e espiritual. As pessoas têm mais a ganhar em deixar que cada um viva como lhe parece bem a si, do que forçando cada um a viver como parece bem aos outros."»

Pedro Madeira

O artigo inteiro (que além do casamento trata da adopção por parte de casais homossexuais e, a meu ver, é tão interessante quanto divertido) aqui.

3 comentários:

  1. Antes de argumentar contra a homossexualidade como imoral, importa esclarecer o que é moral, tornando-se num argumentário que carece de algum esclarecimento, mas enfim...

    O casamento não serve apenas para procriar, e o exemplo dos casais heterossexuais inférteis está correcto, mas nesses casais é algo que causa dano, logo, não causa dano à união homossexual não poder procriar? Se não causa, porque conscientes à partida dessa impossibilidade, será porque estaremos a falar de coisas diferentes? Então, como pode um casamento com uma fundamentação cultural e civilizacional ceder à ideologia homossexual?

    O ataque do casamento homossexual à família nada tem a ver com a procriação ou com relações heterossexuais, mas com a subversão de uma instituição da cultura humana que nos estrutura como sociedade. Ao influir com ideologia, relativizando o seu papel causa dado à célula base e, por sua vez, à própria sociedade.

    A "tendência lamentável de impôr aos outro o estilo de vida que consideramos melhor" é o que a insistência desta legalização está também a fazer. Daí achar sensato o conselho que os bispos deram à sociedade portuguesa: o debate deve ser alargado e não o assunto legalizado à margem desse debate civilizacional.

    O casamento homossexual toca na esfera antropológica e esta "pressa" de uma pequena parte da sociedade não ajuda.

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  2. Porque é que a "insistência" na legalização do casamento entre homossexuais está a querer impor
    um estilo de vida aos outros? A mim, por exemplo, que sou heterossexual e casada, não me impõe nada. Absolutamente nada.
    Não sinto de forma alguma que o meu casamento e a minha família, enquanto "instituição da cultura humana" na base da sociedade, sofra qualquer alteração pelo facto de os homossexuais também poderem fazer parte desta forma de constituir a colectividade. Também poderem formar células-base. Diferentes, é claro. Mas células, as células que eles e elas, enquanto homossexuais, podem formar sem mentir a si próprios e aos outros.
    Ou os excluimos, ou os incluimos. Não me parece que haja meio termo.
    Há as palavras, é certo. Arranjar um sistema legal com outro nome, ok. Não me choca. Mas se os choca a eles, então a mim não me choca nada ir ao seu encontro, ao encontro do seu "pedido".

    Quanto ao facto de um casal infértil sofrer um dano, enquanto que o casal homossexual não... já entraríamos na questão da possibilidade da adopção por parte de casais homossexuais.
    E se não estamos minimamente de acordo quanto ao casamento.... se calhar até é melhor não entrarmos por aí.

    Apesar da discordância, obrigada pelo seu contributo.

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  3. É bom saber que a razão funciona sempre à margem dos preconceitos. Confesso ter tido vários as primeiras vezes que pensei sobre este assunto. Mas existem argumento (e pelos vistos dados) que não são contornáveis.
    Acredito que só uma reflexão mais profunda, como a do artigo, poderá, como em qualquer debate, esclarecer devidamente este assunto. Creio também que se torna claro que os argumentos contra o casamento homossexual são facilmente contrariados, basta apenas que uma pessoa se predisponha a ouvir e reflectir.
    Mais uma vez obrigado pela ajuda.

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