25 de novembro de 2009

Sobre o projecto da nova igreja do Restelo


«A propósito do desenho da torre, segundo o PÚBLICO (20/11/2009), Troufa Real diz já não se reconhecer na referência ao manuelino do projecto apresentado e vai agora inspirar-se no quadro As Tentações de Santo Antão, de Bosch, e em "José Saramago". É importante e enigmático este "José Saramago". Segundo Troufa Real, a nave da igreja imita uma "caravela num temporal, toda dobrada"; a casa do pároco é "uma referência à casa portuguesa do arquitecto Raul Lino"; o centro social "será uma réplica das antigas fortalezas portuguesa"; as cores são uma referência à Índia, para onde S. Francisco de Xavier viajou.

É interessante notar que este é exactamente o tipo de linguagem dos arquitectos de centros comerciais: a criação de narrativas que permitem desenvolver e "assinar" as formas. O mais escandaloso na igreja, mais do que as cores ou os cem metros, é que é feita com uma linguagem de centro comercial. Troufa Real passa do manuelino para Bosch como, digamos, se pode passar de uma praça de alimentação Velasquez para uma galeria gótica. Tal como qualquer centro comercial que se preze, este é um projecto megalómano: não tem o maior número de lojas da Península Ibérica, mas tem a torre mais alta das redondezas. Parece sofrer de gigantismo. Quer ser iconográfica, mas onde na arquitectura contemporânea a delicadeza da pele e o trato high tech são essenciais a igreja é rudemente pop e inconveniente. Como um centro comercial. Se é um Gaudí, é um Gaudí em saldos; não tanto a Sagrada Família, mas mais uma desenraizada, desengraçada família. Talvez esteja aí, afinal, a sua contemporaneidade.»


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